os pássaros de casa falavam comigo

os pássaros de casa falavam comigo.

eu morei com um tio que colecionava pássaros, e, por mais que fossem todos lindos e diferentes, eu detestava a ideia de comprá-los e prendê-los. todo santo dia, quando passava por entre as gaiolas, eles se batiam como se avistassem um predador à frente. como eu não entendia a linguagem dos pássaros, sentia que eles não gostavam da minha aura. em particular, eu até sentia dó em vê-los ali, presos e tristes, mas não podia ser o salvador. meu tio dizia que se eles fugissem, não se adaptariam a natureza novamente. eu, bobo e ingênuo, acreditava nisso. com o tempo e de tanto observá-los, entendi que quando eles se batiam na minha frente, eles gritavam, diziam na língua da dor: "me tira daqui, me liberta desse mundo!". então, entendi, apesar de ainda covarde.

um dia, limpei a gaiola de chico preto. ele novamente se debateu, mas eu o ignorei. troquei o jornal, a água de beber, a espiga de milho e, em um curto intervalo, entre minha mão e a porta da gaiola, chico se libertou sem olhar para trás. para os outros, senti o peso da culpa, mas dentro de mim, chico poderia ser eu. adeus, chico. seja feliz. não volte mais.