abraços&abraços
- natanael dObaluae
- 17 de mai. de 2023
- 3 min de leitura
creio que a saudade também tem um peso que pesa.
minha avó, dona Maria, mesmo sendo uma mulher muito reservada, carregava estrelas brilhantes nos olhos escuros-de-fundo-claro. ela tinha a pluralidade do que é ser mãe.
desde que chegou no Rio, minha vó não parou. ela fazia de um quase tudo; bater uma massa de cimento a cozinhar todo santo dia. sempre foi assim. ela me contava com certo orgulho que começou a trabalhar ainda menina; ela extraía óleo de babaçu para ajudar na renda da família. e assim seguiu até os seus últimos dias.
na rua são luiz gonzaga, ficava a nossa casa. a casa onde a gente lavava rotineiramente a fachada por conta do limo. fazíamos de tudo. consertávamos juntos os buracos, os vazamentos… todas as coisas de casa. minha vó tinha suas manias. hoje quem as carrega sou eu.
- é dona Maria, quantas histórias tivemos naquela casa… - eu lembro dos bolos que fazíamos juntos, da sua comida, das lavações… do tanto de roupa que a senhora lavou à mão, - os dedos calejados, machucados -, e até das panelas muito bem areadas que a senhora me ensinou lavar.
- sinto falta de viver isso.
portão adentro era minha vó, minha tia caçula e eu. apesar de sermos só nós três, a casa vivia num entra e sai. e eu não vou mentir não, isso incomodava aos três. daí já se vê o que a gente gostava: silêncio e paz. eu sempre quieto e elas sempre discretas e reservadas. virgem e capricórnio. assim éramos.
existia os dias mais alegres e movimentados, como aos sábados de faxina, onde o rádio, estilo anos 90/2000, era a grande atração. o cheiro lavanda-limpeza imperava pelo ar. e tinham os dias que a gente se acabava no sorvete de creme, flocos, passas ao rum. minha vó enchia o tigelão até o topo. era sobremesa que ela amava! tomava de sorrir. parecia uma criança! ela amava sentar no chão frio e se deliciar…
mesmo com tantas lembranças gostosas, mesmo que eu fale desses momentos que tocam de certo o meu coração… não eram esses os sentimentos que em mim prevaleciam. aqui dentro existia uma estranheza de vida, uma certa desconexão, uma ausência…
com o tempo fui percebendo que eu era muito calado. silencioso demais... eu vi em mim que doía ser assim. e por mais que me esforçasse para ser o contrário, eu não conseguia expressar o sentir. talvez pelo jeito reservado da minha vó, da minha tia, ou pela ausência grande da minha mãe. talvez.
eu não fazia ideia, ao certo, do que se passava aqui dentro. hoje posso dizer que algumas das minhas ausências foi a falta de carinho, de abraços… de algum chamego.
- onde estavam os abraços e os colos? - quer saber? tô no meus trinta e tá tudo bem, talvez elas tenham sentido as mesmas ausências nas próprias ausências que eu senti. quem diz que não? mulheres, nordestinas, origem pobre e donas do lar desde meninas… um buraco bem mais embaixo.
me parece que a gente vive muito mais pra isso, lidar com os problemas e superá-los, como um sabetudo faz: não vê problema, só soluções; tudo sabe, tudo entende e tudo aprende... mas eu não nasci esse tipo de gente.
o que eu sinto é a falta de um lugar chamado abraço. abraço do passado, abraço do vivido, abraço do chorado, abraços. desse lugar, dizem que um abraço cura! e é isso, vou procurar me abraçar mais.
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